Pobreza de espírito

Hoje, (desculpem lá, foi ontem mas o meu dia tem sempre mais de 24 horas), vieram nas parangonas dos jornais e televisões duas notícias completamente contraditórias no sentido prático de as duas poderem coexistir no mesmo mundo. Este tipo de informação em estilo de absoluta divergência deve agora ser moda, porque quase todos os dias constato que aparecem e são amplamente repetidas notícias desta natureza o que em mim, muito particularmente, geram uma desagradável disfagia, logo seguida de azia aguda.

Então foi assim:

No final de Setembro, o Banco de Portugal contou 668 mil famílias que deixaram de pagar os seus empréstimos bancários. São mais oito mil do que no final de Junho. Só no crédito à habitação, seis em cada 100 famílias já não conseguiam cumprir as prestações.

O universo total de famílias com empréstimos bancários atingiu 4,61 milhões de pessoas, em Setembro. Desses, 668 mil deixaram de honrar os seus compromissos. Três meses antes, contavam-se um total de 4,62 milhões de pessoas com créditos e 660 mil casos de incumprimento.

O panorama geral do crédito mostra, contudo, uma situação ainda mais grave e um forte agravamento do incumprimento no que se destina a financiar bens de consumo e a outros fins.

Em Setembro, 16,2% das famílias tinha prestações dos empréstimos ao consumo e outros fins em atraso. Ou seja, dos 3,79 milhões com este tipo de créditos, 615 mil deixou de o pagar (alguns destes estão também em incumprimento na habitação). O número revela um aumento de 10 mil casos face ao trimestre anterior e uma subida homóloga de 36 mil situações.

(Jornal de Notícias)

Mais de 120 famílias portuguesas entram em incumprimento por dia.
Número de devedores com prestações vencidas também aumenta nos escalões de crédito mais altos, tanto nas empresas como nas famílias.

(Diário Económico)

e

Portugueses prevêem gastar em média 530 euros este Natal, menos 8% face ao ano passado, mostra um estudo da Deloitte.

No caso da Grécia, o corte no orçamento dos consumidores para a época natalícia chega aos 22% (319 euros).

De acordo com o estudo Christmas Survey 2011, embora mais de metade dos consumidores portugueses entenda que o seu poder de compra decresceu, a sua intenção de consumo no Natal “não é tão significativamente afectada quanto se poderia esperar”.

Isto, apesar de se confirmar uma tendência contínua de contracção do consumo desde 2009 e de o valor estimado para este ano (530 euros) ser o mais baixo em seis anos, refere.

Segundo a Deloitte, os gastos em Portugal com esta quadra festiva mantêm-se altos devido à “elevada relevância da quadra festiva” para os consumidores portugueses, mesmo no cenário de contracção económica em que vive o País.

A relevância da quadra festiva para os portugueses é também evidenciada pela comparação com a expectativa de gasto de outros países como a Alemanha (449 euros) ou a Holanda (260 euros).

(Económico OnLine)

Isto escrito sobre o mesmo país, sobre a mesma população, no mesmo século e no mesmo dia, parece-me completamente descabido e merece sem dúvida ser devidamente ‘descascado’.
A veracidade dos factos relativa à penúria das famílias, que contribui para o dramático aumento do crédito mal-parado, é indiscutível e se é o Banco de Portugal que o diz, está bem dito.
Agora no que diz respeito ao estudo da Deloitte, que deve ter tido hoje um incremento nas vendas de serviços tal foi a publicidade que lhe fizeram, não resisto a dar a minha modesta opinião sobre tão aberrantes conclusões.
O que me irrita mais neste relato jornalístico sobre o Christmas Survey 2011, é esta comparação com os alemães como se fossem o supra-sumo da virtuosidade face à gestão do dinheiro. Os alemães e os holandeses, ganham muitíssimo mais do que nós e têm os produtos de primeira, segunda, terceira necessidade e igualmente os de luxo aos mesmos preços que os praticados em Portugal. Logicamente não precisam do Natal para comprar nem precisam do 13º mês para ter oportunidade de gastar. Os alemães gastam tanto em Janeiro como em Dezembro, simplesmente porque os alemães gastam quando querem e não quando podem.
Que o estudo foi certamente financiado pela rapaziada do poder não tenho qualquer dúvida, que os resultados do estudo são manipuladores da opinião pública e vêm favorecer os Continentes e Pingos Doces cá da terra não tenho qualquer incerteza, o que me mete igualmente confusão, para não dizer nojo, é que esta notícia tenha sido divulgada, em tudo o que é jornal e noticiários televisivos, e o trabalho jornalístico se tenha limitado a relatar estas brilhantes conclusões sem sequer as contrapor com os próprios argumentos do dia: a pobreza em que se encontram muitíssimas mais famílias do que no ano passado.

É triste.

(porque vem a propósito, adiciono o link do aventar com uma belíssima troca de cartas: Como um grego ensina a um alemão a História das dívidas)

3 thoughts on “Pobreza de espírito

  1. É poeira. São manobras de diversão. É utilização de números sem enquadramento. É a comunicação social, como de costume, a reboque das agências de comunicação. É triste, também, claro.

    São os gregos, esses malandros que não gostam de tarbalhar, que consideravam que as cabeleireiras tinham uma profissão de risco, que se reformavam cedo e agora os portugueses, estes fadistas, que no meio da maior crise e apesar de não terem onde cair mortes (já que nem a casa conseguem pagar) a gastar o pouco que têm em presentes de Natal.

    Então não estamos mesmo a precisar que nos levem o subsídio de Natal? A ver se aprendemos…?

    1. Exactamente Um Jeito Manso. Além de que, esta ambiguidade noticiosa gera nas pessoas um descrédito absoluto sobre as informações que lhe são dadas, as verdadeiras e as deturpadas o que justifica que se deixem depois enganar com tanta facilidade, lhes saquem salário, eventualmente designado por subsídios, e não percebam com clarividência se devem ou não opor-se a isso.

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